28 de setembro de 2016

A oração como fundamento da fé cristã – (parte 1)

Série: Fundamentos da Fé Cristã

Sermão ministrado na Igreja Cristã Despertar da Graça em 28/09/2016

Mateus 6.5-13

            Antes de abordar necessariamente sobre a maneira correta de se orar ensinada por Cristo, tomo a liberdade de compartilhar alguns princípios e conceitos sobre oração:
A oração deve ser prioridade na vida de todo cristão. O apóstolo Paulo quando afirmou: “Sede meus imitadores, como também eu, de Cristo” (1 Coríntios 11.1); certamente tinha em mente também o assunto da oração, pois, ele, a exemplo de Cristo, passou incontáveis horas suplicando e dialogando com Deus.
Através do registro de Lucas, comprova-se que a oração era uma pratica habitual na vida do apóstolo da graça desde o momento de sua conversão. É bastante interessante o fato de que o Senhor, ao aparecer em visão para um discípulo chamado Ananias, emite uma ordem para que ele procurasse por Saulo (Paulo) na rua chamada Direita na casa de Judas. E dentre as dicas fornecidas por Deus, além do nome da rua e do proprietário da casa, está evidenciado e destacado a oração: “pois ele está orando” (Atos 9.11).
Em todo o livro de Atos, vemos que a oração era a norma geral de procedimento na vida de Paulo. Sem nenhuma dúvida, o apóstolo dos gentios era um homem de oração. E quando passamos a analisar as suas epístolas, comprovamos a notável importância que ele dava a esse fundamento da fé. Frases como: não cesso de dar graça por vós; incessantemente faço menção de vós; faço sempre, com alegria, súplicas por todos vós; etc. sempre foram registradas em suas magnificas cartas.
Entretanto, não somente Paulo sabia da importância da oração. Os demais apóstolos e discípulos também priorizavam a oração acima de qualquer outra coisa. Por exemplo, sabe-se que, os diáconos foram instituídos para que os apóstolos pudessem se dedicar a oração. Leia o que Lucas registrou:

E os doze, convocando a multidão dos discípulos, disseram: Não é razoável que nós deixemos a palavra de Deus e sirvamos às mesas. Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria, aos quais constituamos sobre este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra. (Atos 6.2-4 – grifo do autor)

Já no primeiro capítulo do livro de Atos lemos que, os discípulos após a ascensão de Cristo estavam no cenáculo “perseverando unanimemente em oração e súplicas” (1.14). E, no capítulo 2, novamente a persistência na oração foi também mencionada: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações” (2.42). Portanto, certamente a oração ocupava um lugar de destaque no cotidiano de vida da igreja primitiva.
            É necessário registrar também que, a prática constante da oração pode também ser comprovada no período da Antiga Aliança. Homens como Abraão, Jacó, Moisés, Josué, Samuel, Neemias, Daniel, dentre outros, sabiam de fato a importância da oração. Todavia, Infelizmente, nos dias atuais, principalmente em nosso país, está evidenciado que, os cristãos; seja imperceptível ou deliberadamente, estão se esquecendo da prioridade da oração. Desastradamente, a igreja pós-moderna da nossa nação não possui a oração como marca.
Em sua obra: “De pastor a pastor”, o reverendo Hernandes Dias Lopes afirma que uma das tristes consequências é o fato de que: “temos, às vezes, gigantes do conhecimento no púlpito, mas pigmeus no lugar secreto de oração” [i]. Precisamos, urgentemente, voltar a priorizar a oração em nossas vidas e na agenda da igreja, por isso, nas páginas a seguir aprenderemos alguns pormenores da oração temo como foco não as orações de Paulo ou Daniel, mas, a oração popularmente conhecida como “Pai Nosso”, que foi ensinada no sermão do monte por Cristo, o nosso maior exemplo de vida em oração.

Oração como prática diária e constante
“Quando vocês orarem...”. (Mateus 6.5)
De acordo com a narrativa no evangelho escrito por Mateus, Jesus imediatamente após falar sobre as esmolas como parte da piedade ou da conduta na vida cristã; abre à boca e as primeiras palavras que saíram no tocante à oração foram: “Quando vocês orarem...”.
Sabe-se que, a expressão: “quando”, nesta frase usada por Cristo, é uma conjunção, por isso, poderíamos perfeitamente traduzi-la da seguinte maneira: “no momento em que” vocês orarem...; De fato, Jesus sabia que a oração era uma prática diária e constante na vida dos judeus. Pelas Escrituras, por exemplo, somos informados que, Daniel, sendo totalmente piedoso, como de costume, orava três vezes ao dia. (Daniel 6.10) – Ao nascer do sol, às três da tarde, e ao anoitecer.
Precisa-se ter em mente que Jesus não disse: “se vocês sentirem vontade de orar” ou, algo desse tipo; antes, ele disse: “Quando vocês orarem...”. Por conseguinte, a primeira lição que podemos extrair deste ensinamento de Cristo é que a oração necessariamente precisa ser algo habitual em nossa vida. A oração não pode ser opcional e nem casual. Ao usar a expressão “quando”, certamente Jesus deixou igualmente implícito que na vida cristã não pode haver preguiça e negligência a respeito da prática da oração, pois, a mesma precisa ser prioridade. Lembre-se do conselho de Paulo aos tessalonicenses: Orai constantemente. (1 Ts 5.17 - King James Atualizada)

Oração sem o misticismo de horários e locais
Kenneth Bailey afirma que, apesar da prática de se orar ao nascer do sol, às três da tarde e, finalmente, ao entardecer, ter sido bem generalizada antes da época de Jesus, “em nenhum lugar nos Evangelhos Jesus sugere horários especiais para a oração diária” [ii]. Segundo Bailey, “essa ausência é a primeira mudança a aparecer no padrão de oração recomendada por Jesus” [iii].
Ao refletir sobre essa primeira mudança no padrão da oração, lembrei-me de várias mensagens que ouvi ao longo dos anos, onde pregadores, incessantemente, enfatizaram a importância de se orar de madrugada. Acredito que, você também já deve ter ouvido coisas do tipo: “de madrugada é melhor”, “de madrugada a fila é menor”, “de madrugada Deus é mais acessível”, ou até mesmo: “de madrugada a oração é mais eficaz e Deus responde mais rápido”. Se você pertence ou é oriundo de alguma denominação pentecostal já deve também ter ouvido a música, cuja letra diz: “De madrugada o crente vai buscar poder...”. Entretanto, como disse Bailey, Jesus nunca sugeriu horários especiais para orações. Paulo também, ao ensinar as igrejas não disse: “orem de madrugada”, antes, recomendou: “Orai no Espírito em todas as circunstâncias, com toda petição e humilde insistência”. (Efésios 6.18 - King James Atualizada). Devemos orar em todo tempo.
Em 2010, ao fazer um tour pelo Mercado Árabe em Istambul, na Turquia, presenciei os comerciantes, se não me engano, às 15:00hs, largarem tudo o que estavam fazendo em se ajoelharem em “oração” na direção de Meca. Precisamos ter em mente que essa religiosidade mística foi derrubada por Cristo. Nosso mestre orava em qualquer hora e em qualquer lugar.
De maneira nenhuma quero desdenhar da oração de qualquer pessoa feita madrugada. Estou ciente de que, devido à rotina e barulhos nos quais estamos afogados durante o dia, muitos fazem a opção de orarem durante a madrugada.  Aliás, sou totalmente a favor de que se façam orações na madrugada. Todavia, não podemos conferir um poder místico a um horário, bem como a um local. Não podemos de modo algum pensar que Deus está mais acessível em determinada hora ou lugar. Deus sempre estará sensível àqueles que o buscarem de todo o coração, independentemente do horário ou do local.
No mundo de hoje, é fácil encontrar pessoas que se julgam “super crentes”, pois, oram, por exemplo, de madrugada e em montes. Já cansei de ouvir coisas do tipo: “eu pago preço nas madrugadas”, ou “eu pago preço nos montes”. Quando comecei a pastorear minha atual igreja, marquei uma vigília mensal das 22:00 às 0:00hs, e ao convidar um irmão para participar conosco das vigílias, ouvi ele contestar: - não gosto de vigílias neste horário. Gosto de orar das 0:00 às 6:00hs, pois, Deus se agrada muito mais e a oração sobe mais rápido! Parafraseando Paulo: O insensato! Quem vos fascinou com este misticismo?
Permita-me concluir esta parte dizendo que não interessa se a oração é feita no quarto, no templo ou no monte. Não importa se oramos de manha, à tarde, de noite ou durante a madrugada. O que realmente importa é nos derramarmos diante do Senhor, ou como disse o profeta Joel: Rasgarmos o nosso coração e não as nossas vestes! (Joel 2.13)

Oração sem representação teatral
E quando vocês orarem, não sejam como os hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a fim de serem vistos pelos outros. Eu lhes asseguro que eles já receberam sua plena recompensa. (Mateus 6.5 – NVI)


            Ao lermos o ensinamento de nosso Senhor sobre a oração do “Pai Nosso”, fica bastante evidente que ele deixou subentendido que existem duas maneiras de orar: uma errada e uma correta. Ambas as formas são explicadas por ele.
            A maneira errada é aquela onde a auto-adoração e a auto-adulação estão presentes. É algo alarmante e condenado por Cristo a tendência de pensar prazerosamente sobre si mesmo. Deixar o egoísmo e o exibicionismo nos acompanhar até a presença de Deus no momento da oração, é na verdade fazer com que a oração seja rejeitada. Jesus condena veementemente a tola concentração da atenção naquele que está orando, ou ouvindo a oração, ao invés de concentrar-se em Deus para quem a oração deve ser dirigida. Lembre-se da parábola do fariseu e do publicano! Jesus censurou a hipocrisia do doutor da lei que passou a idolatrar a si mesmo dizendo: “Ó Deus, graças te dou, porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo”. (Lucas 18.11,12) – Usando uma frase de uma música popular brasileira, o fariseu estava dizendo: “Eu sou o cara!”.
            A representação teatral aqui é condenada também, pois, aquele que faz uso da mesma, anseia na verdade, ser conhecido, pelos que lhe cercam, como alguém que é dedicado à oração. Cristo censura igualmente o desejo de ser visto pelos outros, quando se está orando. É tremendamente reprovável fazer coisas para garantir que pessoas nos vejam em oração. A tendência para o exibicionismo definitivamente não pode fazer parte de nossas orações. Desculpe-me pela franqueza, mais dizer coisas do tipo: “Senhor, se eu ainda tenho crédito contigo!”, como faz um renomado pastor pentecostal no Brasil, nada mais é na verdade do que hipocrisia e busca pelo louvor humano.
Para finalizar, considere a brilhante releitura feita por Eugene Peterson, dos versículos 5, 6 e 7 do capitulo 6 de Mateus:

E, quando forem à presença de Deus, também não façam disso uma produção teatral. Essa gente que faz da oração um show está buscando o estrelato! Vocês acham que Deus está no camarote, apreciando o espetáculo?
É assim que eu quero que vocês façam: encontrem um local tranquilo e isolado, de modo que não sejam tentados a interpretar diante de Deus. Apenas fiquem lá, tão simples e honestamente quanto conseguirem. Desse modo, o centro da atenção será Deus, não vocês, e vocês começarão a perceber sua graça.
O mundo está cheio de pessoas que se julgam guerreiros de oração, mas que nem sabem o que é orar. Utilizam-se de fórmulas, programas, conselhos e técnicas de vendas para conseguir o que querem de Deus. Não façam essa asneira. Vocês estão diante do Pai! E ele sabe de que estão precisando, melhor que vocês mesmos. Com um Deus assim, que os ama tanto, vocês podem orar de maneira muito simples.[iv]


Oração sem vãs repetições
E quando orarem, não fiquem sempre repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem serão ouvidos. (Mateus 6.8)

Outra lição que podemos extrair da oração modelo ensinada por Cristo, é o fato de que as nossas orações não podem ser recheadas de expressões vazias e/ou vãs repetições. É sabido que as “repetições” deixam as orações mais alongadas, entretanto, engana-se quem pensa que a eficácia da oração depende de quão longa ela é. Uma oração correta e eficaz independe da noção matemática e cronológica. Vãs repetições significam na verdade o uso mecânico e programado das palavras.
Certamente, o pregador em Eclesiásticas compreendia muito bem este ponto do ensino de Cristo, por isso, ele ponderou: “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos céus, e tu, na terra; portanto, sejam poucas as tuas palavras”. (Eclesiastes 5.2)
            Kenneth Bailey nos chama a atenção para o intrigante fato de que, as orações de Jesus registradas nos Evangelhos são bem curtas, todavia, os mesmos evangelhos apontam que às vezes, ele orava a noite toda. Sobre isso, ele deixa subtendido e comprovado por testemunhos dos pais da igreja que “para Jesus a oração abrangia longos períodos de comunhão silenciosa e cheia do Espírito com Deus que transcendia a necessidade de Palavras” [v].




[i] LOPES, Hernandes Dias. De pastor a pastor. Hagnos. São Paulo. 2008. Pág. 73.
[ii] BAILEY, Kenneth E. Jesus pela ótica do Oriente Médio. Vida Nova. São Paulo. 2016. Pág. 96.
[iii] Ibdem.
[iv] PETERSON, Eugene. Bíblia A Mensagem. Editora Vida. São Paulo. 2011. Pág. 1384
[v] BAILEY, Kenneth E. Jesus pela ótica do Oriente Médio. Vida Nova. São Paulo. 2016. Pág. 94